Em 1994, o Brasil quebrou um jejum de 24 anos e conquistou o tetracampeonato mundial nos Estados Unidos, misturando talento, pragmatismo e uma resiliência que redefiniu o futebol brasileiro
-09/10/2024
Em 1994, o Brasil quebrou um jejum de 24 anos e conquistou o tetracampeonato mundial nos Estados Unidos, misturando talento, pragmatismo e uma resiliência que redefiniu o futebol brasileiro
Quando se fala sobre o Brasil e a Copa do Mundo, a mente imediatamente viaja para momentos de pura magia futebolística, feitos de lendas e glórias inesquecíveis. Mas, em 1994, a seleção brasileira carregava o peso de um jejum incômodo e de um período de frustrações. Desde a conquista de 1970, o futebol brasileiro buscava incessantemente o seu quarto título mundial. Quase um quarto de século se passara desde que Pelé, Tostão e companhia levantaram a taça Jules Rimet no México. Entre aquele triunfo e o início da Copa de 1994, o Brasil enfrentou uma série de desilusões, uma nação obcecada por seu próprio legado, aguardando pelo retorno de sua glória perdida. E foi nos Estados Unidos, longe do calor latino e da mística europeia, que o Brasil renasceu como a superpotência do futebol mundial.
A Copa do Mundo de 1994 nos EUA marcou uma ruptura com o passado. O técnico Carlos Alberto Parreira, conhecido por seu pragmatismo e foco na solidez defensiva, comandava um time que quebrava o estereótipo do “futebol arte” que sempre marcou a seleção brasileira. Para muitos, aquele Brasil parecia muito mais rígido e calculista do que romântico e espontâneo. Mas Parreira sabia que precisava de resultados. Ele montou uma equipe que mesclava o talento criativo de Romário e Bebeto no ataque com uma defesa sólida liderada por Aldair e Márcio Santos, além de um meio-campo combativo com Dunga, que se tornaria o símbolo de uma nova geração.
O caminho para o título não foi sem seus obstáculos. Na fase de grupos, o Brasil começou a mostrar a que veio, vencendo a Rússia por 2 a 0 e Camarões por 3 a 0, com Romário brilhando em ambos os jogos. No terceiro jogo, um empate em 1 a 1 com a Suécia foi suficiente para garantir o primeiro lugar no grupo. Com o avanço no mata-mata, a equipe começou a encontrar mais desafios. Nas oitavas de final, um confronto tenso contra os anfitriões americanos resultou em uma vitória magra por 1 a 0, com gol de Bebeto. A partida, marcada pela expulsão de Leonardo após uma cotovelada em Tab Ramos, mostrou que aquele time brasileiro não era feito apenas de magia, mas também de nervos e pragmatismo.
Nas quartas de final, o Brasil enfrentou a Holanda em uma das partidas mais emocionantes do torneio. Após um primeiro tempo sem gols, o segundo tempo foi um espetáculo de emoções. Romário abriu o placar e Bebeto ampliou, em um dos momentos mais icônicos da Copa, com sua comemoração embalando um “bebê imaginário” em homenagem ao nascimento de seu filho. Mas a Holanda reagiu rapidamente e empatou com gols de Bergkamp e Winter. Quando o jogo parecia escapar das mãos brasileiras, brilhou a estrela de Branco, que acertou um petardo de falta de longa distância, selando a vitória por 3 a 2 e carimbando o passaporte do Brasil para as semifinais.
A semifinal trouxe um reencontro com a Suécia, um adversário já conhecido da fase de grupos. Dessa vez, o Brasil teve mais dificuldade, mas o talento de Romário prevaleceu novamente. Com um gol de cabeça, o “Baixinho” garantiu a vitória por 1 a 0, levando o Brasil à sua primeira final de Copa do Mundo em 24 anos. Romário se consolidava como o grande craque do torneio, o homem que carregava o peso de um país inteiro em seus ombros e que sempre entregava.
E então, o grande dia. Em 17 de julho de 1994, o Brasil entrou em campo no Rose Bowl, em Pasadena, Califórnia, para enfrentar a Itália, uma velha rival, em uma reedição das finais de 1970 e 1982. Era a primeira vez na história das Copas que a final seria decidida nos pênaltis. O jogo em si foi truncado, nervoso, com poucas chances claras para ambos os lados. Durante 120 minutos, o que se viu foi um duelo de estratégias, onde as defesas prevaleceram sobre os ataques. O 0 a 0 no placar refletia a tensão que tomava conta dos milhões de torcedores ao redor do mundo.
A decisão por pênaltis se tornou um drama psicológico. O Brasil começou com Márcio Santos, que teve sua cobrança defendida por Pagliuca. Mas Taffarel, o goleiro que se tornaria lendário naquela noite, parou a cobrança de Massaro e deu nova vida aos brasileiros. Com cobranças precisas de Romário, Branco e Dunga — o homem mais criticado antes do torneio, agora o líder e capitão absoluto — o Brasil abriu vantagem. E então, o momento definitivo. Roberto Baggio, o craque italiano, o homem que carregou a Itália nas costas durante todo o torneio, teve a responsabilidade de manter a Azzurra viva. Ele correu, chutou, e a bola subiu, subiu e foi para longe do gol.
Foi o grito de libertação de um país que esperava por aquele momento havia 24 anos. A emoção explodiu. O Brasil era tetracampeão do mundo. Aquele título representava muito mais do que apenas um troféu. Era a confirmação de que, mesmo sem o brilho absoluto do “futebol arte”, o Brasil poderia vencer com outras fórmulas, mostrando que a resiliência, a disciplina e a coragem também fazem parte da alma do futebol brasileiro.
Em 1994, o Brasil não apenas recuperou seu lugar no topo do futebol mundial; ele se reinventou. A equipe de Parreira e Zagallo foi criticada, mas se provou histórica. Romário, com sua genialidade, tornou-se o herói de uma nova geração. Dunga, com sua liderança e raça, exorcizou os fantasmas de 1982 e 1986. E o futebol brasileiro, com todos os seus estilos e facetas, mais uma vez, conquistou o mundo.
Jornalista em formação pela Unesp Bauru.
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