Em 2010, o Barcelona deu uma aula de futebol em um jogo que marcou a era Guardiola e elevou Messi a um novo patamar de genialidade no “El Clásico”
-09/10/2024
Em 2010, o Barcelona deu uma aula de futebol em um jogo que marcou a era Guardiola e elevou Messi a um novo patamar de genialidade no “El Clásico”
No dia 29 de novembro de 2010, o mundo do futebol parou para assistir ao confronto mais aguardado da temporada: Barcelona contra Real Madrid. O “El Clásico” sempre foi muito mais do que apenas um jogo de futebol. É o embate de duas filosofias, duas culturas, dois mundos que se confrontam em uma rivalidade que vai além das quatro linhas. Naquela noite de novembro, o Camp Nou foi o palco de um espetáculo que redefiniria a maneira como o jogo era visto e jogado. O placar final, 5 a 0 para o Barcelona, não apenas humilhou o Real Madrid, mas também solidificou a era de um time que jogava um futebol quase celestial, comandado por Pep Guardiola e orquestrado pelo gênio de Lionel Messi.
Para entender a magnitude daquele jogo, é preciso compreender o contexto da época. O Barcelona vivia sua era de ouro sob o comando de Pep Guardiola, que havia assumido o clube em 2008 e transformado o estilo de jogo da equipe em algo que nunca tinha sido visto antes. O famoso “tiki-taka”, uma forma de jogar baseada em passes curtos, movimentação constante e posse de bola, fez do Barcelona um time praticamente imbatível. A filosofia de Guardiola não apenas fazia com que seus jogadores dominassem a posse de bola, mas também sufocassem os adversários até a exaustão, mental e fisicamente. Em apenas duas temporadas, o Barcelona já havia conquistado tudo: La Liga, a Liga dos Campeões, a Copa do Rei, o Mundial de Clubes. Mas Guardiola sabia que para manter sua hegemonia, precisava provar sua superioridade contra o maior rival de todos, o Real Madrid.
O Real Madrid, por outro lado, também passava por um momento de revolução. Após anos assistindo ao domínio do Barcelona, o clube merengue decidiu agir. Em 2009, Florentino Pérez retornou à presidência do Real Madrid e trouxe consigo uma nova versão dos “Galácticos”. O clube gastou mais de 250 milhões de euros em contratações, trazendo estrelas como Cristiano Ronaldo, Kaká, Karim Benzema e Xabi Alonso, em uma tentativa de retomar a glória perdida. Em 2010, para liderar essa constelação de estrelas, o Real contratou José Mourinho, o “Special One”, que acabara de conquistar a Liga dos Campeões com a Inter de Milão. Mourinho foi contratado com uma missão muito clara: destronar o Barcelona.
Naquele momento, o confronto também personificava a rivalidade crescente entre Lionel Messi e Cristiano Ronaldo. Os dois maiores jogadores de sua geração estavam em seu auge, travando batalhas intensas em busca de títulos, recordes e prêmios individuais. Enquanto Messi era o símbolo do “futebol arte”, fruto da La Masia e do DNA do Barcelona, Cristiano Ronaldo representava a busca pelo estrelato e pela perfeição, um atleta incansável, obcecado por se tornar o melhor de todos os tempos. O Clássico de novembro de 2010 seria o primeiro grande duelo entre Messi e Cristiano Ronaldo com José Mourinho à frente do Real Madrid.
O clima era de final antecipada. O Real Madrid chegava ao Camp Nou invicto na La Liga e liderando a competição, um ponto à frente do Barcelona. O jogo era visto como uma chance para o Real Madrid de Mourinho provar que finalmente havia encontrado a fórmula para bater o time que vinha dominando o futebol europeu. Por outro lado, para Guardiola e seus comandados, era a oportunidade de reafirmar sua superioridade e calar os críticos que viam no Real Madrid uma ameaça real. O Camp Nou estava lotado, e o mundo inteiro estava com os olhos voltados para Barcelona.
Quando o jogo começou, ficou claro que o Barcelona estava determinado a impor sua identidade desde o primeiro minuto. Em sua formação característica de 4-3-3, Guardiola posicionou Messi como um “falso 9”, uma inovação tática que permitia ao argentino se movimentar livremente, criando espaços para os extremos Pedro e David Villa. No meio-campo, Xavi e Iniesta comandavam o ritmo do jogo, com Sergio Busquets oferecendo suporte defensivo e mantendo o equilíbrio. Mourinho, por outro lado, optou por uma formação 4-2-3-1, com Cristiano Ronaldo e Di María nas pontas, e Özil centralizado, buscando explorar os contra-ataques rápidos.
O Barcelona dominou o jogo desde o início. Os passes curtos e rápidos, a movimentação sem bola e a pressão alta sufocaram o Real Madrid, que mal conseguia respirar. O primeiro gol saiu logo aos 10 minutos. Lionel Messi, com sua visão única, lançou uma bola perfeita para Andrés Iniesta, que encontrou Xavi Hernandez dentro da área. O camisa 6 finalizou com um toque sutil, e a bola entrou após desviar em um defensor. O Camp Nou explodiu. O Barcelona não apenas havia começado melhor, mas mostrava ao Real Madrid que a noite seria longa.
O segundo gol veio apenas sete minutos depois, aos 18. David Villa cruzou rasteiro para Pedro Rodríguez, que, posicionado de forma impecável, desviou a bola para o fundo da rede. O placar mostrava 2 a 0, e o Real Madrid estava perdido em campo. Cristiano Ronaldo, frustrado, tentava liderar seus companheiros, mas o Barcelona era simplesmente avassalador. Os passes curtos e triangulações se sucediam, transformando o meio-campo do Real Madrid em um campo de guerra. Mourinho, na lateral, observava impotente.
O segundo tempo trouxe mais do mesmo. O Real Madrid, que havia terminado a primeira etapa tentando manter o controle, voltou ainda mais desorganizado. Aos 55 minutos, o terceiro golpe chegou. Messi, sempre envolvente, fez um passe milimétrico para David Villa, que, em velocidade, venceu a defesa merengue e finalizou entre as pernas de Casillas. Dois minutos depois, o quarto gol foi quase um replay: Messi, novamente, lançou Villa, que mais uma vez superou Casillas. Em questão de minutos, o Barcelona havia dilacerado qualquer esperança que o Real Madrid pudesse ter tido. O placar de 4 a 0 era um reflexo cruel da diferença entre as duas equipes naquele momento.
O Camp Nou virou um caldeirão. A torcida catalã, eufórica, sabia que estava assistindo a um momento histórico. Cada passe, cada drible, cada movimento era uma demonstração de supremacia tática e técnica. O Real Madrid, que começou a partida com esperança de desafiar o status quo, estava reduzido a um grupo de jogadores tentando evitar um desastre ainda maior. No entanto, a noite mágica do Barcelona ainda tinha um último ato a ser jogado.
Aos 90 minutos, veio o golpe final. Após uma confusão dentro da área, Jeffrén Suárez, jovem atacante da base, completou um cruzamento de Bojan Krkić para marcar o quinto gol. O placar mostrava 5 a 0, e o Camp Nou explodiu em delírio. O Real Madrid estava completamente desmoralizado, e os jogadores de Mourinho não escondiam a frustração. Sergio Ramos, descontrolado, foi expulso após uma entrada violenta em Messi e empurrar Puyol. Era o fim de uma noite que entraria para os anais do futebol.
Quando o apito final soou, o Camp Nou estava em êxtase, mas havia uma imagem que definiria aquele momento histórico. Lionel Messi, que havia passado a partida inteira desmontando a defesa do Real Madrid com sua genialidade discreta, começou a caminhar lentamente pelo campo. Não havia um sorriso exagerado ou uma comemoração extravagante; Messi estava calmo, quase introspectivo, como se já soubesse desde o primeiro minuto o desfecho daquela noite. A câmera o acompanhou, e o mundo viu o que parecia ser um momento de reflexão silenciosa. Ele andava com a cabeça erguida, os olhos percorrendo as arquibancadas e absorvendo a magnitude do que acabara de acontecer. Era como se Messi estivesse absorvendo o espetáculo que acabara de proporcionar — o jogo que cimentava ainda mais sua lenda e o colocava em um patamar acima de todos os outros. Cada passo seu era acompanhado de aplausos e cânticos da torcida, conscientes de que estavam na presença de um gênio. Aquele caminhar sereno simbolizava mais do que uma vitória; era um lembrete silencioso de que o Barcelona, com Messi à frente, estava moldando uma era que o futebol nunca esqueceria.
As consequências daquele 5 a 0 foram profundas e duradouras, impactando não apenas o Barcelona e o Real Madrid, mas todo o cenário do futebol mundial. Para o Barcelona, a vitória representou a consolidação de um estilo de jogo revolucionário e reafirmou a era de ouro sob o comando de Pep Guardiola, elevando o time catalão ao status de um dos maiores da história. O resultado solidificou o “tiki-taka” como uma filosofia vencedora, inspirando uma geração de treinadores e equipes ao redor do mundo.
Por outro lado, para o Real Madrid, a humilhação no Camp Nou foi um golpe duro que exigiu uma introspecção profunda e uma reformulação. José Mourinho, contratado justamente para acabar com a hegemonia do Barcelona, foi forçado a repensar suas estratégias e adotar uma abordagem mais pragmática para enfrentar o rival. Isso levou a uma mudança na mentalidade e tática do Real Madrid, culminando em uma equipe mais sólida defensivamente e, eventualmente, na conquista da La Décima em 2014, encerrando o jejum de 12 anos sem vencer a Liga dos Campeões.
Além disso, o confronto ampliou ainda mais a rivalidade Messi x Cristiano Ronaldo, criando uma narrativa que continuaria a moldar o futebol nos anos seguintes, com cada jogador buscando constantemente superar o outro, tanto em duelos diretos quanto na conquista de títulos e prêmios individuais.
Jornalista em formação pela Unesp Bauru.
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