Naquela tarde, o mundo presenciou um dos maiores jogos e performances individuais de um jogador na história
-09/10/2024
Naquela tarde, o mundo presenciou um dos maiores jogos e performances individuais de um jogador na história
Era um calor escaldante no Estádio Azteca, na Cidade do México, no dia 22 de junho de 1986. Naquela tarde, a Copa do Mundo presenciaria não apenas um jogo de futebol, mas uma aula de genialidade, polêmica e drama, tudo encenado por um só homem: Diego Armando Maradona. A Argentina enfrentava a Inglaterra pelas quartas de final, em um duelo que transcendia o esporte. A memória da Guerra das Malvinas, que havia terminado quatro anos antes, ainda estava fresca, e o confronto se tornou um campo de batalha simbólico. No centro de tudo, o maior craque de sua geração, Maradona, estava prestes a escrever dois capítulos que ficariam eternizados na história do futebol.
O jogo entre Argentina e Inglaterra não era apenas mais uma partida de quartas de final de Copa do Mundo; era carregado de tensão política e emocional. A Guerra das Malvinas, um conflito entre os dois países que terminou em 1982 com a derrota argentina, estava ainda muito presente na mente de ambos os povos. Para os argentinos, vencer aquele jogo significava mais do que um passo rumo ao título; era uma questão de orgulho nacional, de redenção. E foi nesse clima de rivalidade acirrada que Maradona entrou em campo com um brilho especial nos olhos, sabendo que aquele era o momento de sua vida.
O primeiro ato de Maradona naquela tarde foi um exemplo de malícia e oportunidade. Aos seis minutos do segundo tempo, com o placar ainda em 0 a 0, ele pegou a bola no meio-campo e avançou em direção à área inglesa. Ao tentar um passe, a bola rebateu e voltou em sua direção, e o pequeno argentino, de apenas 1,65 m, pulou junto com o goleiro inglês Peter Shilton, de 1,85 m, para disputar a bola. O mundo viu o inesperado: Maradona usou sua mão esquerda para dar um leve toque na bola e encobrir Shilton, mandando a bola para o fundo das redes.
O estádio explodiu. Os jogadores ingleses protestaram imediatamente, apontando para o árbitro, alegando que havia sido um toque de mão claro. No entanto, o juiz tunisiano Ali Bin Nasser não viu a irregularidade, ou talvez tenha escolhido não ver. Quando perguntado sobre o lance após o jogo, Maradona, com seu jeito provocador e sorriso maroto, disse que o gol havia sido marcado “um pouco com a cabeça de Maradona e um pouco com a mão de Deus”. Nascia ali “La Mano de Dios”, um dos momentos mais controversos e inesquecíveis da história do futebol.
Mas se o primeiro gol foi um símbolo de trapaça e astúcia, o segundo gol de Maradona naquela partida foi uma obra-prima de genialidade pura, a definição de como o futebol pode ser uma forma de arte. Apenas quatro minutos após o primeiro gol, Maradona pegou a bola em seu próprio campo e começou a driblar. O que se seguiu foi uma sequência de 10 segundos de magia. Ele deixou seis jogadores ingleses para trás, um a um: Beardsley, Reid, Butcher (duas vezes), Fenwick, e por fim, o goleiro Peter Shilton.
Com dribles curtos, precisos e com um controle de bola que parecia desafiar as leis da física, Maradona avançou pelo campo, sempre em direção ao gol. Ele usou o corpo e a habilidade para enganar os defensores que tentavam pará-lo, como se fossem apenas obstáculos menores no caminho. Quando chegou à pequena área, mesmo com ângulo reduzido e ainda com Butcher tentando um último desarme desesperado, Maradona tocou a bola suavemente para o fundo das redes.
O Estádio Azteca, com mais de 100 mil espectadores, parecia prestes a explodir de emoção. O comentarista uruguaio Víctor Hugo Morales imortalizou o momento com sua narração: “Barrilete cósmico, de qué planeta viniste?”. O “Gol do Século” foi uma prova do que um gênio pode fazer quando está inspirado, de como um homem pode, em segundos, capturar a essência do futebol e deixá-la gravada para sempre na memória de milhões.
A Argentina venceu a partida por 2 a 1, e aquele jogo não foi apenas uma vitória rumo ao título mundial — que seria conquistado dias depois contra a Alemanha Ocidental —, mas uma redenção em nível nacional. Para os argentinos, Maradona havia feito mais do que marcar dois gols; ele havia vingado a dor das Malvinas em um campo de batalha simbólico, diante dos olhos do mundo.
Para a Inglaterra, o jogo sempre será lembrado pela “trapaça” de Maradona. Para o resto do mundo, no entanto, aquele confronto representou o auge do que o futebol pode ser: paixão, controvérsia, emoção e pura genialidade. Diego Maradona mostrou ao mundo o que significa ser humano — com suas falhas e sua grandeza, com sua malícia e seu talento descomunal.
Jornalista em formação pela Unesp Bauru.
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