Sócrates e a Democracia Corinthiana

Um dos momentos mais importantes com um dos personagens mais épicos da história do futebol brasileiro

Neste aniversário de 114 anos do Sport Club Corinthians Paulista, é impossível não lembrar de um dos capítulos mais marcantes da sua história: a Democracia Corinthiana. Um movimento que não apenas redefiniu o futebol dentro de campo, mas que também teve impacto na sociedade brasileira em um momento de transformação política e social. E no centro dessa revolução estava Sócrates, o Doutor, o gênio dos campos que inspirou uma geração de corinthianos e brasileiros a sonharem com algo mais do que apenas a bola na rede.

O contexto: um Corinthians em transformação

Era o início dos anos 1980, e o Brasil vivia sob uma ditadura militar que sufocava a liberdade e os direitos da população. No Corinthians, as coisas também não iam bem. O clube, um dos maiores do país, estava em crise tanto dentro quanto fora de campo. Foi nesse cenário que surgiu a Democracia Corinthiana, um movimento liderado por jogadores, comissão técnica e até funcionários, que buscava mudar a maneira como o clube era administrado e, de certa forma, questionar o próprio status quo.

A ideia era simples, mas poderosa: dar voz a todos dentro do clube. Em vez de decisões unilaterais de dirigentes, cada voto contava. Desde a escolha de táticas, escalações e contratações, até decisões simples como o que comer na concentração. Todos, do presidente ao roupeiro, tinham a mesma importância. Esse espírito democrático logo se tornou um símbolo de resistência, um reflexo de um Brasil que também ansiava por mudança.

Sócrates: o líder que foi além do campo

Sócrates comemorava seus gols com o punho cerrado.
Foto: Agência Estado

No centro dessa transformação estava Sócrates Brasileiro, o “Doutor”, um jogador como poucos na história do futebol. Formado em medicina, Sócrates tinha uma visão crítica e filosófica do mundo, algo que se refletia em seu estilo de jogo e nas suas atitudes fora de campo. Alto, com seu porte elegante e a famosa faixa na cabeça, ele jogava com uma calma e habilidade que eram um espetáculo à parte. Mas o que realmente o diferenciava era sua coragem de lutar por algo maior.

Sócrates, junto com outros nomes emblemáticos como Wladimir, Casagrande e Zenon, abraçou a ideia da Democracia Corinthiana de corpo e alma. Para ele, o futebol era mais do que um jogo; era uma plataforma para provocar discussões e mudar mentalidades. Suas declarações eram afiadas e sua liderança, incontestável. Ele usava seu talento e sua influência para desafiar o sistema, tanto no clube quanto na sociedade.

A democracia em campo e fora dele

Sob a bandeira da Democracia Corinthiana, o Corinthians viveu um período de renascimento. Em 1982 e 1983, o time conquistou o Campeonato Paulista, em uma época em que o torneio era o principal título do futebol brasileiro. As vitórias em campo, porém, eram apenas uma parte do impacto da Democracia Corinthiana. A verdadeira vitória estava na mensagem que o movimento passava para a sociedade brasileira.

O time entrava em campo com a frase “Democracia Corinthiana” estampada nas camisas, um ato corajoso e desafiador em um país que ainda vivia sob um regime autoritário. Nos jogos, os torcedores viam um time que jogava um futebol ofensivo, criativo e, mais importante, com propósito. Sócrates, com seu famoso “calcanhar”, era a síntese do que representava esse movimento: ousadia, beleza e irreverência.

O ápice da influência política do movimento veio em 1984, quando Sócrates, em um comício pelas Diretas Já, o movimento que pedia eleições diretas no Brasil, declarou que se a emenda constitucional fosse aprovada, ele ficaria no Brasil. Não foi, e ele cumpriu sua promessa, indo para a Fiorentina, na Itália. Ainda assim, sua postura e suas palavras ressoaram como um grito de liberdade.

O legado e a relevância de Sócrates

Há 36 anos, Sócrates se despedia do Corinthians e marcava seu último gol  pelo Timão
Foto: arquivo Revista Placar

A Democracia Corinthiana terminou junto com a saída de Sócrates e de outros jogadores-chave, mas o impacto daquele período foi muito além das quatro linhas. O movimento mostrou que o futebol podia ser um agente de mudança, um catalisador de debates e de transformação social. Hoje, no aniversário de 114 anos do Corinthians, esse legado continua vivo na memória de torcedores e em todos aqueles que acreditam que o esporte tem um papel importante na sociedade.

Sócrates faleceu em 2011, mas seu espírito permanece no coração dos corinthianos. Ele foi mais do que um jogador; foi um símbolo de resistência, de inteligência e de coragem. Alguém que usou a bola para lutar por liberdade, por igualdade e por um mundo melhor.

O aniversário de 114 anos do Corinthians é uma celebração não só dos títulos, dos gols e das glórias, mas também de momentos como a Democracia Corinthiana, que ajudaram a definir a alma do clube. Um clube que é mais do que um time de futebol; é uma nação que sabe lutar dentro e fora de campo, que valoriza a voz de todos e que carrega no peito o orgulho de ser, sempre, Corinthians.

Cristian Bessone

Editor do Sports Context

Jornalista em formação pela Unesp Bauru.

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